Um estudo internacional, coordenado pela Universidade de Cornell (EUA) e envolvendo pesquisadores do IRD e seus parceiros sul-americanos, propõe novos métodos de otimização informática para melhorar a gestão internacional de barragens hidrelétricas na bacia amazônica.
Os resultados, publicados na revista Science no 18 de fevereiro de 2022, mostram que o planejamento estratégico transfronteiriço pode minimizar os múltiplos impactos ambientais dessas instalações e assim contribuir para o desenvolvimento mais sustentável da energia hidrelétrica.
A energia hidrelétrica é um componente importante das atuais e futuras carteiras de energia renovável, ajudando a limitar as emissões de CO2 na atmosfera e, assim, reduzir o impacto climático da produção de energia. Embora a construção de grandes barragens tenha diminuído na Europa Ocidental e na América do Norte, ela ainda está em plena expansão em muitos países emergentes, particularmente na América do Sul.
Por exemplo, a bacia do rio Amazonas, a maior e mais biodiversa do planeta, está observando uma aceleração da expansão hidrelétrica: 158 barragens com capacidade individual de mais de 1 Megawatt estão atualmente em operação ou em construção em cinco países (Peru, Colômbia, Brasil, Equador, Bolívia) e mais de 350 novas instalações estão planejadas. Esta proliferação ameaça o equilíbrio socioambiental da região.
Embora avaliações ambientais específicas do local tenham sido realizadas para medir os impactos dessas construções, as abordagens utilizadas raramente levam em conta as consequências à escala da bacia amazônica como um todo, particularmente quando os rios atravessam fronteiras. Ferramentas de planejamento estratégico são necessárias para minimizar os impactos ambientais das barragens e garantir que os serviços ecossistêmicos do rio sejam mantidos para a população. Este é um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS 6) adotados pelas Nações Unidas para 2030, cuja meta 5 visa "implementar a gestão integrada dos recursos hídricos em todos os níveis, inclusive através da cooperação transfronteiriça".

Seção seca do rio Pastaza à jusante da barragem de Agoyan, no Equador
© Elizabeth Anderson
Uma estrutura de otimização multiobjetivo
O estudo publicado em Science envolveu pesquisadores de mais de 25 instituições dos Estados Unidos, Brasil, Colômbia, Equador, França e Peru. Eles reuniram grandes bancos de dados digitais cobrindo cinco critérios ambientais chave para os ecossistemas fluviais da Amazônia: fluxo fluvial, conectividade, transporte de sedimentos, diversidade de peixes e emissões de gases de efeito estufa.
Os pesquisadores do Institute for Computational Sustainability de Cornell desenvolveram então uma poderosa estrutura multiobjetivo de otimização informática. Sua abordagem toma emprestado do economista italiano Vilfredo Pareto?O óptimo de Pareto é definido como uma situação em que a satisfação de um indivíduo não pode ser melhorada sem reduzir a satisfação de outro. É, portanto, um critério de eficiência: nesta situação, todos maximizam sua satisfação levando em conta o que os outros fazem. e procura determinar qual configuração de instalações hidrelétricas é ideal para atingir as metas de produção de energia, minimizando simultaneamente os impactos sobre todos os cinco critérios ambientais.
Orientação do planejamento estratégico na área da bacia
Usando esta abordagem de inteligência artificial, a equipe internacional mostra que a falta de planejamento estratégico na escala da bacia amazônica levou a uma configuração das barragens existentes longe do ideal desde o ponto de vista ambiental. Por exemplo, o estudo da linha do tempo dos impactos dos ecossistemas durante a expansão histórica das hidrelétricas na Amazônia revela que a construção de três das maiores barragens do mundo - duas no rio Madeira (Santo Antônio e Jirau, em funcionamento desde 2012 e 2013, e a barragem de Belo Monte no rio Xingu, em funcionamento desde 2016) - aumentou a fragmentação da rede fluvial amazônica em quase 40%, resultando em uma forte diminuição da conectividade fluvial. O estudo concluiu que uma configuração geográfica diferente teria resultado em uma perda mínima de conectividade em toda a bacia para uma produção energética idêntica, minimizando assim os danos à sua biodiversidade.
Estes resultados ilustram como o planejamento estratégico na área da bacia permite no futuro selecionar configurações de barragens com impactos ambientais gerais menos destrutivos. Entretanto, na prática, o planejamento hidrelétrico é feito em escala nacional. Assim, "o planejamento otimizado no âmbito nacional produz resultados ambientais subótimos na escala de toda a bacia para pelo menos um dos cinco critérios", dizem Céline Jézéquel e Thierry Oberdorff, ecologistas do IRD, co-autora e co-autor do estudo.

Os Shawi, que vivem na Amazônia ocidental, estão intimamente ligados aos rios por suas atividades econômicas, culturais e sociais.
© Alvaro del Campo - The Field Museum
"Uma grande conquista deste estudo é ter combinado em uma única ferramenta de otimização dados de uma ampla gama de especialidades em hidrologia, sedimentologia, climatologia, ecologia e ciências sociais. Isso torna possível desenvolver uma abordagem mais holística do planejamento de barragens que leva em conta vários ODS (energia, biodiversidade, água) e demonstra que é possível produzir hidro-eletricidade de uma forma mais sustentável para a natureza e as populações", enfatiza Olivier Dangles, ecologista e diretor adjunto de ciência do IRD, responsável pela ciência da sustentabilidade, e co-autor do estudo.
Um portal web para visualizar e simular os impactos do posicionamento das barragens amazônicas de acordo com os cinco critérios ambientais já está disponível. Os pesquisadores apelam aos tomadores de decisão para que aproveitem os dados e ferramentas produzidos pelos estudo e obter benefícios coletivos do planejamento estratégico na escala da bacia amazônica e além.
Este estudo mobilizou as equipes do Laboratoire Mixto Internacional (LMI) Biodiversidade e agricultura sustentável nos Andes tropicais (Bio_INCA). Alguns dos dados mobilizados foram coletados no âmbito do serviço nacional de observação HYBAM (serviço de observação de recursos hídricos da bacia amazônica) e do programa Amazon Fish. |
Referência: Alexander S. Flecker et al. Reducing adverse impacts of Amazon hydropower expansion, Science, 18 fevereiro 2022.
Contatos : Thierry Oberdorff, pesquisador do laboratório de ecologia, evolução e diversidade biológica (UMR EDB - CNRS/IRD/Universidade de Toulouse III)
Olivier Dangles, pesquisador em ecologia no Centro de Ecologia Funcional e Evolutiva (UMR CEFE - CNRS, Université de Montpellier/Université Paul Valery Montpellier 3/EPHE/IRD)
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