Uma equipe franco-brasileira, incluindo cientistas da UMR ISEM, fornece informações sobre as mudanças sofridas pelo Cerrado brasileiro no último milênio. Com o objetivo de entender o impacto futuro das mudanças climáticas em curso em uma região atualmente muito populosa. Seus trabalhos são publicados em Anthropocene.

Como é que a ocupação humana e as alterações climáticas afetaram o Cerrado brasileiro ao longo do último milênio? A resposta a esta pergunta ajudará a determinar como este ecossistema dominante no Brasil irá responder às futuras alterações climáticas e às políticas públicas de proteção e ordenamento do território.

Carte de la végétation du nord-est brésilien avec la localisation du parc national Sete Cidades (étoile) dans une zone de transition (vert olive) entre le Cerrado arboré (vert) et la forêt sèche du semi-aride (Caatinga en jaune)

© Xavier et al., 2022

Pólen, carvão e sementes como pistas

« Compreender a dinâmica da vegetação é essencial para interpretar as mudanças ecológicas a longo prazo sob diferentes regimes de precipitação e cenários de uso da terra », afirma Marie-Pierre Ledru, paleóloga e paleecologista do IRD. O nordeste do Brasil foi sujeito a perturbações climáticas e antropogênicas nos últimos séculos. Para traçar os sucessivos episódios, a pesquisadora e seus colegas brasileiros conduzem a investigação com base na análise de um núcleo de sedimentos retirado de um pântano do Parque Nacional das Sete Cidades?Estado do Piauí. Com efeito, para a conservação de indicadores biológicos como os grãos de pólen, é necessário realizar o coring num ambiente úmido (anaeróbico)?privado ôxigieno em permanência, o que é bastante raro no nordeste do Cerrado. Os cientistas encontraram estas condições num prado pantanoso no parque. Este último oferece dois outros interesses: o seu rico patrimônio arqueológico e o fato de ter sido colocado sob proteção total em 1961, quando toda a atividade humana foi interrompida. O pólen, as sementes e o carvão vegetal contidos nas amostras do núcleo são pistas para reconstruir o passado: os dois primeiros fornecem informações sobre a vegetação, enquanto que o último indica que houve incêndios.

Physionomie du Cerrado près de Brasilia

© IRD - Marie-Pierre Ledru

Reconstrução da história paleo-ambiental

A datação por carbono-14 é realizada em diferentes porções do núcleo de 1m (= 800 anos). No parque, 24 sítios arqueológicos atestam uma presença humana com mais de mil anos. Conduzida por Sergio Xavier como parte da sua co-tutoria de doutoramento, a análise dos vários elementos encontrados nos sedimentos - incluindo a presença de areia que indica erosão - mostra que a paisagem do Cerrado foi reestruturada durante os intervalos secos e úmidos ao longo destes 800 anos. « A parte mais antiga do núcleo (1223) é testemunha de um episódio seco, atestado pela presença de uma árvore resistente à seca, explica Francisca Soares de Araújo, professora na Universidade Federal do Ceará. Isto coincide com a anomalia climática medieval conhecida no continente europeu (entre 950 e 1250). » Com praticamente nenhuma atividade de fogo observada entre 1210 e 1300, pode-se argumentar que a presença humana no local foi reduzida durante este período seco. Um intervalo mais úmido começou em 1400 CE, com a expansão do pântano e a presença de palmeiras e árvores ou herbáceas relacionadas à umidade. Por outro lado, a partir de 1650, uma importante combustão de biomassa e uma desflorestação intensiva permitem-nos datar a chegada dos colonos europeus ao norte do estado do Piauí. O que não pôde ser esclarecido até então devido à ausência de arquivos históricos nessas regiões do Brasil.

Troupeau de vaches et gardiens à cheval dans la région du Cerrado brésilien

© IRD - Vincent Simonneaux

Os incêndios atuam como marcadores antropogênicos e climáticos

Deve notar-se que os incêndios naturais (devido às condições climáticas) são menos prejudiciais que os incêndios provocados pelo homem porque não ocorrem ao mesmo tempo durante o ano (na estação das chuvas para os primeiros). Estes últimos estão ligados à desflorestação empreendida pelos pastores europeus para criar pastagens para o seu gado. Após a criação do Parque Nacional das Sete Cidades em 1961, nenhum vestígio de incêndio foi registrado. Com duas consequências: a expansão de um Cerrado mais arborizado e o aumento da biodiversidade. "Este estudo fornece novos conhecimentos sobre a ocupação humana passada do nordeste do Cerrado, definida por três tipos de práticas de uso da terra (indígena, colonial e política de proteção), e sublinha a importância de incluir os aspectos históricos da paisagem nos futuros cenários de conservação", conclui Marie-Pierre Ledru.


Publicação : Sergio Augusto Santos Xavier, Francisca Soares de Araújo, Marie Pierre Ledru. 2022. Changes in fire activity and biodiversity in a Northeast Brazilian Cerrado over the last 800 years,
Anthropocene, https://doi.org/10.1016/j.ancene.2022.100356.

Contatos científicos :  Marie-Pierre Ledru, IRD, ISEM marie-pierre.ledru@ird.fr


Francisca Soares de Araújo, Université Fédérale du Ceará, tchesca@ufc.br
 

Contatos comunicação : Fabienne Doumenge, Julie Sansoulet communication.occitanie@ird.fr