No Brasil, a Covid-19 causou até agora mais de 660.000 mortes, com consequências para todo o país, a atividade econômica e o emprego. E quanto ao sistema de saúde? O projeto HospiCovid liderado, entre outros, por pesquisadores do IRD e da Fiocruz (Brasil), concentra-se na resposta dos sistemas de saúde em seis países, incluindo o Brasil. Realizado nos estados de Pernambuco e Amazonas em dois momentos diferentes durante a pandemia, o estudo revela a organização do sistema de saúde frente à crise sanitária.

Quão resistentes são os sistemas de saúde pública, hospitais e seu pessoal à pandemia da COVID-19? Esta foi a pergunta feita por pesquisadores de 6 países no início de 2020, quando a pandemia causada pelo SARS-COV-2 levou a medidas de saúde e à ocupação de unidades de terapia intensiva. Neste momento de urgência, estes cientistas1 sentiram a necessidade de se aproximar o máximo possível da crise e entrar nos hospitais para entender como o sistema de saúde estava respondendo e quais eram as consequências para os profissionais de saúde. No Brasil, uma equipe de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) realizou entrevistas com profissionais de saúde no Hospital Universitário Oswaldo Cruz (HUOC) da Universidade de Pernambuco, o primeiro a receber pacientes da Covid-19 no Estado.

Vivendo a crise no hospital

"Já podemos ver que os sistemas de saúde não colapsaram, o que é uma boa notícia", diz Valéry Ridde2, coordenador do estudo e co-autor do artigo. No caso do HUOC, várias estratégias parecem ter dado frutos. Primeiro, houve uma reorganização da infraestrutura hospitalar para lidar com pacientes com Covid-19, implicando  reorientação dos outros agravos e uma comunicação clara entre pacientes e profissionais de saúde. Em termos de recursos humanos, o hospital também teve que recorrer à contratação. Neste sentido, tem havido treinamentos no hospital. Contudo, “se tornou um desafio treinar alguns desses recém-chegados, devido a urgência da situação", conta Sydia Rosana De Araujo Oliveira3, co-autora do artigo.

Diante da demanda por Equipamento de Proteção Individual (EPI), a gestão hospitalar "foi capaz de responder rapidamente à demanda, através do estabelecimento de regras para distribuição dos profissionais”. Entretanto, segundo nossas entrevistas, também “foi uma fonte de estresse físico e psicológico para os trabalhadores", observa Sydia. De fato, alguns profissionais tiveram que adaptar ações do dia a dia ao número de equipamentos disponíveis, por exemplo, reduzindo o consumo de água e alimentos para não ter que trocar de equipamento. "No contexto da Covid, é óbvio que estas adaptações são sacrifícios", diz Sydia.

De acordo com os autores, pacientes e profissionais foram submetidos a um estresse psicológico sem precedentes. Embora exista uma pressão constante nestas profissões que cuidam da vida humana, a pandemia acelerou a rotina já intensa dos trabalhadores da saúde, trazendo consigo o medo de morrer ou contaminar entes queridos. Tantas situações que não foram levadas em consideração pelas autoridades sanitárias. No caso estudado, foi a sociedade civil que se encarregou desta questão, através do projeto Comvida. "Houve várias doações, tais como EPI, refeições, mas esse não foi o único elemento dessa rede”, explica Sydia. “Tratava-se de minimizar o impacto emocional do isolamento, criando uma rede de apoio aos profissionais de saúde e pacientes através de voluntários. É um projeto interessante porque olha para o aspecto material, mas também para o aspecto do cuidado". Assim, por exemplo, doações de dispositivos tecnológicos, smartphones e tablets, para permitir que pacientes isolados permaneçam em contato com suas famílias, ou estratégias de apoio para cuidadores que estão longe de suas famílias; gestos de grande importância, sobretudo até a chegada de material suficiente para testagem de covid.

"No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) é descentralizado, com uma distribuição de competências entre os níveis municipal, estadual e federal. A pandemia COVID-19 agravou as fraquezas do SUS, particularmente devido à falta de investimento e aos desafios de acesso à saúde. Cada Estado organizou diferentes ações de saúde pública (distanciamento social, máscaras, restrições de mobilidade, etc.) sem coordenação nacional”, dizem os autores, in

Um estudo para pensar no planejamento da saúde

Na segunda parte do estudo, a equipe examinou as ações de testagem da Covid no estado do Amazonas, particularmente na sua capital, Manaus. De acordo com Sydia, foi feito um esforço para incluir alguns dos grupos profissionais mais expostos, trabalhadores da linha de frente como os profissionais da saúde e agentes de segurança pública. "Entretanto, não podemos falar de uma estratégia de triagem em larga escala”, diz ela. “Não houve compra de teste em massa e os recursos humanos eram voluntários, principalmente professores universitários". Vale ressaltar que a ação também foi limitada no espaço, durante o período da coleta de dados os demais municípios do Amazonas, não se beneficiaram da estratégia.

Com relação à testagem, estamos falando de resultados preliminares que ainda precisam ser estudados em maior profundidade. No entanto, este estudo de caso parece apontar para uma falta de planejamento do sistema de saúde, uma constatação observada em outros países no projeto HospiCovid. "O que é impressionante é a questão das desigualdades na saúde: nenhum dos países as levou em conta em sua resposta à Covid”, observa Valéry. “A questão das desigualdades limitou-se ao tratamento gratuito, sem levar em conta o conjunto de desafios do acesso à saúde".

A fim de conscientizar tomadores de decisão, as equipes do projeto nos diferentes países investiram na divulgação destes dados, através de relatórios e da organização de reuniões sobre as lições aprendidas da Covid-19. O objetivo dos pesquisadores é que esta transferência de conhecimento, baseada nos dados comprovados do projeto e na experiência dos participantes, tenha um impacto na escala operacional, para fortalecer a capacidade dos sistemas de saúde de responder a uma crise sanitária.

Mais informação: www.u-paris.fr/hospicovid


1. De acordo com a publicação " O Fórum Global de Pesquisa sobre a COVID-19 sugeriu que há uma necessidade urgente de compreender o enfrentamento dos trabalhadores da saúde e a resiliência dos sistemas de saúde"

2. Valéry Ridde é Diretor de Pesquisa em Saúde Pública do CEPED/IRD/INSERM/Université Paris Cité (França). Ele também é membro da equipe RENARD, membro do Convergence Migration Institute e editor associado do BMJ Global Health.

3. Sydia Oliveira é cirurgiã odontológica e médica de saúde pública. Ela trabalha na Fundação Oswaldo Cruz, Pernambuco, como professora e pesquisadora. Ela tem experiência em planejamento, gestão e avaliação em saúde.

Publicação

"Implementação da capacidade de resposta Covid-19 em um hospital no Brasil"

"Mise en œuvre de la capacité de réponse à la Covid-19 dans un hôpital au Brésil", Santé Publique, 2022

Sydia Rosana De Araujo Oliveira, Aletheia Soares Sampaio, Ana Lucia Vasconcelos, Gisele Cazarin, Amanda Zacarias, Betise Furtado, Andréa Carla Andrade, Karla Myrelle Paz de Sousa, Valéry Ridde

Contatos

Brasil | Pesquisadora: Sydia Rosana De Araujo Oliveira

França | Pesquisador: Valéry Ridde

Brasil | Comunicação: Héloïse Benoit