O relatório Catadores de materiais recicláveis no Brasil: Um Perfil Estatístico, publicado pela ONG internacional WIEGO com o apoio de pesquisadores do IRD, destaca a situação dos catadores de lixo no Brasil. País pioneiro no reconhecimento desses empregos muitas vezes informais, o relatório ressalta os diferentes perfis socioeconômicos que refletem uma situação precária, mas também destaca papel fundamental dessas pessoas na economia da reciclagem.

Catadoras em uma oficina sobre proejto de gênero e recicláveis
© Lina Mintz
O que acontece com nossos resíduos? Embora nossas lixeiras ocupem tanto o espaço doméstico como público, empregando milhares de pessoas, nossa sociedade não parece dar muita importância a seu conteúdo. O relatório Catadores de materiais recicláveis no Brasil: Um Perfil Estatístico, (2022) publicado pela ONG WIEGO com o apoio de pesquisadores do IRD, ao destacar a diversidade de perfis e dar, ainda que imperfeitamente, o número aproximado desses trabalhadores, revela uma situação que é muitas vezes pouco conhecida do público em geral, e às vezes até dos tomadores de decisão. Este é um paradoxo em um país que reconhece coletores de materiais recicláveis desde 2002, e que possui estatísticas de valor sobre esta atividade.
Quem são estes trabalhadores e trabalhadoras?
O estudo fornece uma visão geral estatística da situação socioeconômica dos coletores (sexo, idade, raça, etc.), sua distribuição geográfica, assim como dados sobre suas condições de trabalho (número de horas trabalhadas por semana, emprego informal ou formal, filiação ou não a uma associação de base, etc.), tornando possível distinguir as principais tendências e mostrar a diversidade de condições. Por exemplo, 86% desses trabalhadores estão em empregos informais, o que representa mais do dobro da proporção de tais empregos no total da população ocupada. Outro fato importante é que embora haja menos mulheres nestes empregos, elas geralmente são menos instruídas e ganham menos do que seus colegas masculinos. "Levar em conta a dimensão de gênero destaca uma diferença real na distribuição desses empregos entre homens e mulheres", diz Mathilde Bouvier, co-autora do relatório.
O estudo também fornece números sobre a importância do papel dos catadores na reciclagem propriamente dita. Para dar apenas dois exemplos, o Brasil recicla 97% das latas e 67% do papelão. "Se considerarmos que apenas um quarto dos municípios tem sistemas de separação de resíduos na fonte, as altas taxas de reciclagem devem ser atribuídas a catadores de lixo, portanto elos essenciais da cadeia de reciclagem brasileira", enfatiza Sonia Dias, que co-assina o estudo.
O paradoxo dos números
Em termos de volume, esta população pode, no entanto, parecer pequena: os catadores totalizam cerca de 280.000 pessoas, ou apenas 0,30% da população ativa total no Brasil. Entretanto, o relatório destaca que estes trabalhadores são a espinha dorsal da cadeia de valor. "Proporcionalmente, você pode pensar 'este número é minúsculo'. Mas se você considerar que são eles que alimentam a indústria e cumprem parcialmente o papel dos municípios em termos de reciclagem, você entende que o peso deles vai além dos números", continua Sonia.
Num contexto de transformações estruturais, ligadas à crise do clima e da biodiversidade, a questão da reciclagem está se tornando uma preocupação central, e essas pessoas podem ser consideradas verdadeiros agentes do meio ambiente e atores da economia circular. Mas podemos chamar essa atividade de emprego verde? "Eu não usaria essa expressão, declara Sonia. Atualmente, na pirâmide da reciclagem, catadores estão na parte inferior. Quando eles tiverem acesso a condições de trabalho decentes, poderemos então falar de empregos verdes". Isto implica em contratos de trabalho justos, cobertura social e de saúde, equipamentos de proteção pessoal, infraestrutura adequada e acessível (para triagem, manuseio de resíduos e processamento de materiais), acesso a instalações de cuidado infantil para mulheres, etc. "Sem mencionar sua participação na elaboração de políticas que lhes dizem respeito", afirma Sonia, apelando para a co-construção de um modelo de reciclagem eficaz e justo "com estes atores e não contra eles".
De fato, na escala global, há uma tendência em muitos países do Sul de instalar sistemas centralizados de gestão de resíduos, espelhando o que existe nas metrópoles do Norte, com o objetivo declarado, ou pelo menos risco colateral, de remover catadoras e catadores de lixo do quadro. Portanto, a sociedade civil e os cientistas estão tentando mobilizar as instituições brasileiras sobre esta questão a fim de desenvolver estatísticas fiáveis sobre esta categoria sócio-profissional e para ter um impacto nas políticas públicas.
1. A WIEGO é uma rede global de pesquisa-ação para o desenvolvimento de políticas públicas. Seu objetivo é melhorar a situação dos trabalhadores pobres, especialmente das mulheres, na economia informal.
Este Resumo Estatístico emprega dados oficiais de 2002 a 2019 para examinar quantos catadores coletam, classificam e vendem o que outros descartaram em todo o Brasil. Analisa os números, sexo, localizações geográficas, idades, níveis de escolaridade, filiação em associações e status de emprego desses trabalhadores informais. Os dados deste estudo vêm da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e da Relação Anual de Informação Social (RAIS), feita pelo ministério do trabalho.
As autoras
Sonia Maria Dias é a Especialista Global em Resíduos da WIEGO. Ela tem doutorado em Ciências Políticas e especialização em gestão de resíduos. Ela tem mais de 35 anos de experiência como acadêmica engajada, formuladora de políticas e ativista na área de resíduos e cidadania no Brasil e no mundo. No Brasil, é membro de várias redes como o Observatório de Reciclagem Inclusiva e Solidária (ORIS), o Fórum de Resíduos e Cidadania de Belo Horizonte e a Frente Nacional de Alternativas à Incineração. É membro do Grupo de Trabalho Colaborativo sobre Gerenciamento de Resíduos Sólidos em países de baixa e média renda.
Mathilde Bouvier é a consultora que produziu as estatísticas para este relatório. Ela obteve recentemente um mestrado em economia do desenvolvimento pela Universidade de Paris-Dauphine - PSL (França). Sua tese foi sobre A microdinâmica do mercado de trabalho brasileiro em tempos de crise, sob a orientação de Mireille Razafindrakoto e François Roubaud (IRD).
O relatório
Catadores de materiais recicláveis no Brasil: um perfil estatístico
Este relatório foi preparado com a ajuda de um grupo consultivo formado pelas autoras Sonia Dias e Mathilde Bouvier, François Roubaud e Mireille Razafindrakoto, Diretora de Pesquisa do Instituto Francês de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD-DIAL), atualmente pesquisadores visitantes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); assim como Gayatri Koolwal, Françoise Carré, e Joann Vanek do programa estatístico WIEGO.